sábado, 26 de maio de 2012

Andre Matos: A Voz do Metal Brasileiro (Part 1)


Equiparar a arte de fazer música ao jogo de xadrez pode ser uma analogia fria e, talvez, sem fundamento, afinal, o primeiro prioriza as emoções e segundo detém o foco nas questões analíticas. Todavia, tanto o cenário musical quanto o estratégico do xadrez tomam a precauções de terem consigo suas respectivas peças chaves, onde num estalar de dedos conseguem mudar todo um cenário. E pensar no cenário metálico brasileiro e suas principais figuras – ou peças fundamentais – vêm fácil, fácil, à cabeça o nome Andre Matos e toda sua obra que faz do heavy metal nacional não uma unanimidade por excelência, mas prova que com muito comprometimento, talento e com a máxima: fale menos e faça mais, se constrói uma carreira de sucesso, vide discos seminais que vocalista lançou, por exemplo: Theatre of Fate (Viper); Angels Cry e Holy Land (Angra); Ritual (Shaman), que, sem menor gota de dúvida, são argumentos justos de ter o nome Andre Matos no legado do heavy metal brasileiro. E foi para saber mais da reunião com a banda Viper, disco novo, carreira solo, Opera Rock Tommy.... Que fomos bater um papo com o simpático, Andre. Então, caro amigo, pode abrir sua gelada e aumentar o som porque o bate-papo é dos bons...

 Parece que o ano de 2012 reserva boas surpresas aos seus fãs antigos com a turnê To Live Again Tour, rememorando seu tempo com a banda Viper. Conte-nos um pouco mais dessa história de reavivar a época do Viper?

Andre Mantos: Bem, essa foi uma idéia que nós, ex-membros do Viper, os remanescentes da formação original, tivemos, pois, independente das nossas carreiras e tudo que ocorreu ao longo dos anos, nós nos mantivemos amigos, vizinhos de bairro, em São Paulo. Ou seja, volta e meia nós nos encontrávamos para bater papo e sempre voltava à tona essa idéia de fazer alguma coisa comemorativa, fazer algo para valer juntos. Há uma fase anterior em que o Viper voltou com outro vocalista, o Ricardo Bocci, que era um excelente cantor, e lançou o disco de inéditas, All My Life, cujo álbum eu participei e realizei alguns shows como convidado. Com isso, o Viper estava em outra etapa com vocalista próprio, e eu super focado na minha banda solo, logo, a reunião com a banda não se faria possível. Mas eu sabia que passaria um período no Brasil, porque não estou morando o tempo todo aqui, e voltaria ao país para turnês da banda solo e da gravação do novo disco, cujo processo começará em breve. Com isso, eu teria essa disponibilidade e coincidiu de encontrar com o pessoal do Viper. Aliás, quem levantou muito essa questão da reunião foi o pessoal do site Wikimetal, porque são nossos amigos há muitos anos, quando do começo da banda. Eu me lembro que cada um dos integrantes fora entrevistado, um por vez, e nessas entrevistas se via muito claramente que havia em cada um a vontade de voltar trabalhar novamente juntos, mas a questão era: vontade nós temos, no entanto, não sabemos quando e como. E foi questão de alguns meses atrás que nos encontramos e veio à ideia definitiva de fazer a reunião com todos os membros originais, inclusive com o Yves Passarel.  

Mas o Yves não é membro do Capital Inicial?

Andre: Sim! Ele está no Capital há dez anos e a banda tem uma agenda fixa com shows marcados pelo ano inteiro, então, nessa reunião ele colocou para a gente: ‘quero muito participar, claro, por uma questão de amizade e afinidade, mas não poderei participar de todos os shows, porque tenho compromissos marcados há mais de seis meses e não posso faltar’.

São 22 anos que separam o artista Andre Matos e a banda Viper.  Nesse ínterim, com certeza, ambas carreiras passaram por inevitáveis processos de amadurecimento. Você acredita que esse fator tempo será facilitador, no sentido de algo como: calçar aqueles confortáveis pares de chinelos, ou será algo que exigirá mais cautela, afinal, são carreiras com respostas e vivências diferentes?

Andre: Com certeza será como colocar um par de chinelos antigo! Eu me mantive mais ativo na cena, mas, honestamente, entre nós não há problema quanto a isso, mesmo que, eventualmente, eu tenha alcançado uma projeção maior fora do Viper não irá interferir em nada, e tem mais, naquela época era muito difícil alcançar uma projeção desse tipo. Nós fomos um dos pioneiros! O que prevaleceu de tudo isso foi a nossa amizade. Nós nos gostamos muito, de verdade. E nos ficou muito claro quando entramos no estúdio para ensaiar pela primeira vez, eu, por exemplo, não sabia o que esperar, mas me surpreendi positivamente ver os caras tocando. E há uma coisa que costumo responder em entrevista quando me perguntam qual o período da minha carreira mais gosto e ou tenho boas memórias, e eu sempre digo: foi o período com o Viper.

Mesmo com o estrelato da sua carreira com Angra e os álbuns Angels Cry e Holy Land?

Andre: Sim! O Angra foi pontuado pelo profissionalismo. O Viper era tudo na raça! Nós pegávamos ônibus de linha carregando instrumento nas costas para tocar na periferia ou onde havia espaço, e quem viveu isso nunca esquece, então, eu dou muito valor a essas coisas. Nós fazíamos música por amor, pelo romantismo de fazer heavy metal num país recém saído da ditadura militar aonde nada era permitido, por isso essas experiências foram tão interessantes e marcantes para cada um de nós.
Essa volta não vai se basear somente no saudosismo e nostalgia, afinal, somos pessoas diferentes hoje em dia que evoluíram de uma forma ou de outra, portanto, a ideia não é tentar imitar o que éramos há vinte anos, mas, sim, resgatar um pouco daquela essência, e mesmo com outras experiência e vivências diferentes quando nos juntamos no estúdio para tocar, e vai ser assim ao vivo, a fraternidade continuou a existindo.

O projeto tem como força motriz a execução dos álbuns Soldiers of Sunrise e Theatre of Fate.  Ambos são discos relativamente pequenos, que juntos totalizam algo perto de um concerto de uma hora e meia. Vocês planejam incluir outro material ou talvez uma música nova?

Andre: Nós estamos preparando algumas outras coisas, mas nada inédito. Não foi composto nada inédito e isso, teoricamente, seria uma segunda etapa do trabalho que nós não planejamos ainda. Nós vamos fazer uma turnê comemorativa que vai durar um mês e meio, ou seja, começa e termina aí. Como se fosse evento único! Haverá uma continuação disso? Isso depende de inúmeros fatores e nós não queremos dar o passo maior que as pernas prometendo mil coisas agora, porque o que temos de concreto é essa turnê com começo, meio e fim. Além disso, vou me dedicar exclusivamente à minha carreira solo, porque já estou gravando o disco novo, e a partir de Agosto ou Setembro já estarei em turnê com a carreira solo, então, para aqueles que pensam: o Viper vai continuar agora? Não! É uma coisa pontal.  

Que atribuição de valor e responsabilidade você agrega a ambos os discos na formação do cenário metálico brasileiro?

Andre: Eu não quero puxar a sardinha para nossa brasa dizendo que nós éramos os únicos porque não os fomos. Antes de nós o pessoal do Stress, Dorsal Atlântica, Sepultura, Vulcano, Santuário, Centúria, Salário Mínimo, etc, já tinham lançado seus discos e essas bandas que devem ser lembradas e veneradas por quem se interessa pela origem do movimento.
A diferença é que nós começamos com uma idade tenra, vamos dizer assim. Eu comecei com treze para catorze anos; o Pity tinha quinze, ou seja, todo mundo variando entre catorze a dezesseis. Éramos garotos querendo fazer musica, querendo fazer metal.

O primeiro show foi o que pegou fogo?  

Andre: O primeiro show foi em 1985, e não foi esse que pegou fogo, não. Esse foi mais tarde em 1988 ou 1989. Eu já tinha feito o número com a tocha várias vezes e nunca tinha pegado fogo, mas é aquela história: o cara que se afoga é o que sabe nadar bem! Depois daquele episódio nunca mais! Mas tem um pessoal que ainda espera esse número nos novos shows (risos).

Mesmo colocando fogo no palco e a pouca idade vocês compartilharam todo o movimento heavy metal da época.

 Andre: (risos)... Soldiers of Sunrire foi lançado em 1987, e não deixa de ser um dos pioneiros do estilo. Já o Theatre of Fate, de 1989, foi um marco, porque foi um dos primeiros discos nacionais com uma produção internacional, e lógico que há de dar crédito a isso, afinal, veio um renomado produtor inglês para gravar o álbum; o disco foi gravado num estúdio, que não existe mais, que era da BMG/RCA, em São Paulo, que tinha um equipamento absurdo, tanto que o som daquele disco é atual e as músicas são maravilhosas. Eu sou suspeito para falar, mas acho as canções tão incríveis que falam por si só. Esse álbum é o caso de estar na hora certa e no lugar certo.


Com o Viper e Shaman você lançou dois álbuns de estúdio e com o Angra um pouquinho mais: três discos de estúdio. Por que dessa inquietação?

Andre: Vou ser muito sincero com você: funciona enquanto há clima e sincronicidade na banda, e se em algum momento isso é atrapalhado ou cessado o desenrolar são as brigas de egos e coisas do gênero. E para mim isso funciona. Eu não sou o tipo de cara que topa subir no palco com uma pessoa que não estou me dando bem ou não falo, e estar lá apenas pelo negócio ou lado do business, então, eu não tenho medo de recomeçar, aprendi a recomeçar desde cedo.

Praticar esse desapego é difícil, não é?

Andre: Uma separação é sempre difícil e doloroso.

Mudando de assunto, o seu nome sempre foi sinônimo de qualidade musical. Dito isso, o projeto Symfonia, com o álbum In Paradisum, passa longe de qualquer coisa que você já tenha produzido, visto que o projeto falha com idéias mal trabalhadas e elaboradas. E olha que tinha gente boa no negócio como você, Uli Kusch e Timo Tolkki. Então, porque a coisa desandou de tal forma?

Andre: Symfonia iniciou como um projeto que tomou ares de banda e foi interrompido precocemente. Eu acho que foi uma coisa que poderia ter evoluído e ter feito mais, mas não dependeu de mim. Foi arbitraria a decisão de cessar esse projeto.

Você acha que não teve a demanda suficiente para o projeto?

Andre: Eu não tenho nada a reclamar em relação a isso, porque acredito que tudo que você começa, e olha que eu tenho experiência nisso de recomeçar tudo, você tem um caminho a trilhar, então, você não pode esperar estar no topo da montanha de um dia para o outro, há o caminho a trilhar e é justamente nesse ponto que houve discordância de mentalidades entre os envolvidos, achando que só reunindo alguns nomes famosos a coisa seria um sucesso imediato.

Você considera que In Paradisum depõe contra ou a favor de sua carreira?

Andre: Eu gostei muito! Eu o considero um ótimo disco composto por ótimos músicos e os shows foram de uma energia incrível, com feedback excelente para a banda e química excelente no palco. Por mim, eu não tenho nada a reclamar, mas eu sou um cara que tenho a tendência de fazer as coisas não visando o lucro imediato, eu faço só quando realmente gosto e me alimento disso. O lucro financeiro vem depois, afinal, sobrevivo de fazer música, dão-se outros jeitos de sobreviver, mesmo apostando num projeto a médio prazo. Ás vezes, você precisa fazer um segundo, terceiro ou quarto disco para receber o merecido reconhecimento. Muitas são as bandas que esperaram quase dez anos para chegar ao patamar que elas mereciam.

Você lançou com o Angra três discos de estúdio oficiais, sendo que os que estouraram foram o Angels Cry e Holy Land. Como foram os feedbacks dos discos e turnês naquela época?

Andre: Na época, o álbum Holy Land foi extremamente criticado, e hoje, talvez, seja considerado o melhor da carreira do Angra.  Mas na época nós sofremos, principalmente, no Brasil. No mercado internacional, não! Aqui foi muito detonado, mas lá fora foi bem entendido.

Devido aos elementos brasileiros?

Andre: Justamente! Muita resistência do público, que muitas das vezes é extremamente conservador. O disco demorou uns dez anos para ser bem aceito aqui no Brasil. E, sem dúvida, é um dos discos o qual me entreguei em 100% na composição.

A composição na época era focada em você e no Rafael Bittencourt?

Andre: Sim!  O foco era em nós, mas os outros também participaram.

O conceito do álbum veio de quem?

Andre: Se eu não me engano, eu desenvolvi esse conceito junto com o Rafael, mas a música, Holy Land, eu fiz sozinho. E esse conceito do título do disco veio da música que eu fiz.

Diante do feedback que vocês tiveram na gringa com o Holy Land seria esperado um álbum nos mesmo trejeitos, mas foi totalmente o extremo com o Fireworks.

Andre: Com certeza, porque a tendência é você sempre evoluir para algum lugar.

E é difícil agradar todo o público, por exemplo: se fizer um disco igual ao anterior você está criatividade e se inovar demais você perde suas raízes.


Andre: A grande sacada, na realidade, e em como tudo na vida, é você ter o equilíbrio.  As pessoas não entendem o que é estar na pele de um músico. É muito fácil criticar quando você não tem a responsabilidade de fazer as coisas, mas quando você faz você fica numa corda bamba, onde farei um trabalho que para mim é motivador? Ou vou farei aquilo que meu público deseja ouvir? Muitos incorrem no erro extremo de se repetir apenas para satisfazer o público e outros correm o risco oposto: não satisfazer nada o público e fazer aquilo que quer. As coisas não são por aí! Você tem que lembrar que você não faz música só para você. Quer fazer música só para você? Grava suas próprias músicas e você mesmo as escuta sozinho. Eu faço isso. Tenho minhas composições clássicas que compus para mim. Mas, por outro lado, essa postura reacionária e o medo de inovar são perigosos, porque você vai receber criticas como: mais do mesmo; o cara não tem mais criatividade e não se reinventa há anos, então, há de achar o caminho do meio, nem tanto ao mar e nem tanto a terra, sabendo inovar e manter suas raízes, o que é benéfico, mas isso demanda concentração e muito autocontrole.

Nota: Realizei essa entrevista para o Jornal do Interor Sul Fluminense. Agradeço o apoio da produtora SNS Produções.